domingo, 16 de fevereiro de 2014

Soube que é fria como textura da pele de gente morta. Nunca toquei na pele de defunto, só da tartaruga da infância que sempre foi gelada e fedida - ficava na água verde - e ele não limpava o aquário há semanas antes da morte súbita da tartaruga ilegal que morava em casa. O Ibama não bateu lá e hoje sou vegetariana. Falsa.
Nada - até então- foi mais frio que o dia da morte dele que eu amava. Era praia no dia um, verão - sarcástico - e eu ainda sorria fácil com os olhos. Entrou luz pelos espaços da veneziana da edicula, me contorci no colchão no chão e escutei vozes afobadas - abafadas. Acorda ela e diz que é pro café. Chegaram na porta da casa - na lembrança truncada as paredes eram tão cinzas quanto o dia- tudo que eu queria era dormir. A madrugada foi bem longa - bebia precoce e fumava na encolha. Nesse tempo sequer desconfiava que a estrada tem  fenda de sobra. Caminhei pelo corredor estreito do quintal e entrei na cozinha descalça, mesa do café posta e ninguém - quase desconhecidos - estava sentado em qualquer cadeira comendo pão e sorrindo no ano novo. Faces derretidas com um fundo de pena sem jeito ficaram espalhadas pelas poltronas e em um pequeno sofá da sala repleta de maresia. E pela janela - atrapalhada pelas grades - eu a vi ali fora, fazia sabe lá o que, com nem um terço da minha família recostada no carro. E veio um turbilhão na minha mente malacaba - aconteceu com ele - eu sabia. A última vez que o vi foi na entrada do prédio em São Paulo. Magro - as roupas chegaram largas e amassadas, o cabelo baixinho e enrolado com entradas de idade e barba mal feita -  feição apática,  sem ar - tirou o meu sossego. Mal sabíamos o que dizer. Vou ficar bem. Fica bem, eu te amo. E ele saiu pela porta de vidro enquanto eu chorava. Não chora,  fico bem, prometo. Solucei engasgada - medo - nunca olhei tão profundo sem enxergar nada de esperança naqueles olhos que costumavam carregar um tanto de conforto junto com os braços largos e o corpo desajeitado. E ela entrou com um olhar que me destilou lágrimas junto com o melhor abraço que conheço - o meu abraço de todas as manhãs - e não sabia como dizer. Ele agora está no colo de Deus. O deus - esse que a fé me quebrou e que a história ensinou - minha filha, poderoso mesmo é a meia duzia que suga a humanidade. Quem sabe exista uma Deusa - nós mesmas -  quem sabe. Ele está morto - óbvio - e eu sabia a quem o pronome se referia. E não foi súbita igual a tartaruga de água suja - estava tudo numa especie de imundice - e que culpa tem quem se quer livre - e saiu da submersão turva.
Descobri dias lentos - desvendei tanto que hoje se faz nada - tanta metamorfose - a existência é insensível.
É gélida como pele de gente morta.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014





Teimo que posso ser mais que a metade. Vivo de sonhar. 
E essas tantas bocas enfermas disseram que eu tome cuidado e não caia
Que sobressaia e não erre. 
E se errar que me vire.
Sobrevivo e respiro todo tempo rotineiro. 

 - E eu só queria ser serena.