Alice,
Me sinto mais sozinho do que nunca, queria voltar para vocês, para o Ale, nossa casa, as festas, nossa rede e o céu limpo.
Aqui é madrugada e está mais gelado que o normal, ou eu que não me acostumei, coloquei duas calças e uns três casacos e nem assim, tem um cobertor nos meus ombros e um litro de conhaque com sabor de nada em minhas mãos, venta forte e as árvores tremem, meu corpo também. Da janela vejo a praça fria, coberta de geada, dois discutem em berros, a luz do poste não para de piscar, tem uma menina sentada no banco preto com as mãos no rosto, chorando agudo e por alguns segundos senti dor por ela, mas olhei bem para mim... Eles poderiam silenciar, bastaria minha insônia.
Os últimos dias estão bem mais vazios que o normal, sinto falta de cada minuto com Jodie, me apaixonei ou foi apenas carência, nunca te disse, mas a distância do Brasil me causa espanto, me sinto incompleto, não sei que piração foi essa de deixar todos em casa, não sei o que busco aqui, mas você conhece a minha inconstância.
Mal durmo, trabalho muito, hoje foi minha folga, grande merda, o tempo não passa mesmo, ao menos no trabalho depois de lavar as privadas mijadas e de gorfo de cerveja sempre encontro alguém, ofereço umas doses, uns baseados e arrumo qualquer tipo de afeto pra mim. A Jodie tem outro ou outra, machuca, é, sei que contei do nosso tipo de relacionamento, mas nunca funcionou, pelo menos para mim. Pensar em cada minuto que ela pode estar em outra cama me faz surtar, o adeus sem palavras me fez ficar assim, então busco alívio procurando ela em qualquer um, nas prostitutas da Red Light e nos caras do apartamento 74.
Ela não é a mulher que qualquer um desejaria, mas eu quero, acho que foram os coturnos sujos, a calça rasgada, aquele cabelo mal cortado, o rosto de quem acordou agora, o óculos torto, a velocidade das palavras que acompanha sua inteligência, meu lado sapiosexual.
Há umas horas escutei ela chamando meu nome e apertando a campainha enquanto tentava parar de me drogar nesse quarto vazio, corri até a porta e olhei no olho mágico, ela estava nua, eu juro, me chamando. Arrumei o casaco, abri com rapidez e nada, apenas as portas fechadas, me reclinei no batente apoiando a cabeça até cair, chorando, só, de novo. O Ian do 74 desceu do elevador e me arremessou umas palavras, arrastou meu corpo até o carpete vermelho da sala, colocou um cigarro na minha boca e deitou do meu lado, mas depois de meus soluços e do silêncio anexado as frases ignoradas, ele me deixou aqui. Depois vieram os outros, abriram a porta e falaram rápido demais para que eu pudesse entender, tentaram me fazer comer e depois prepararam mais um. Irônica essa tentativa de ajuda? Me acostumei, aliás o costume é corriqueiro nesses dias repetidos. Não vi ninguém saindo, estava escuro o suficiente para que não enxergasse nem ouvisse nada. Acordei coberto, os berros na praça soam alto aqui, sentei na beirada da cama pedindo que o tempo ficasse curto.
Veja bem, quanta fraqueza tenho guardado em mim, me falta vida e principalmente coragem para voltar e pedir mais um pouco de colo e algumas horas de conforto. O olhar dela antes de sair por essa porta, a dor dentro de mim, mal consigo abrir meus olhos e respirar com facilidade, sei que ela quer voltar, eu sei Alice.
T.